sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Crise da ONU


A intenção de Washington de atacar o Iraque sem a anuência formal da ONU põe a entidade numa situação crítica: seus defensores lamentarão que suas decisões não sejam respeitadas, e seus detratores -sobretudo a ala mais conservadora do Partido Republicano dos EUA- dirão que ela não é legítima porque permite que Saddam Hussein mantenha armas de destruição em massa.

Todavia a discussão atual é mais profunda. Ela diz respeito à configuração da nova ordem mundial, cuja construção começou com a queda do Muro de Berlim (1989) e ganhou forte impulso após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. A questão é saber se essa ordem será multilateralista ou se a única superpotência do planeta dominará a cena global. Segundo analistas ouvidos pela Folha, o futuro da ONU depende do modo como os EUA vêem essa nova ordem. "Se Washington mantiver sua atitude, buscando usar a entidade como instrumento de sua política externa, a situação será difícil para ela, já que o restante do mundo não aceitará esse quadro", disse Michael Kreile, especialista em ONU da Universidade Humboldt (Berlim).

Desde sua criação, em 1945, a ONU tem sido um fórum multilateralista, no qual a comunidade internacional tenta manter a paz e a segurança mundiais e promover valores considerados universais por meio de regras consensuais. Contudo, na Guerra Fria, ela teve sua atuação limitada pelos imperativos geopolíticos da época.

Os EUA e a URSS utilizaram, então, seu poder de veto inúmeras vezes, não deixando que a vontade da maioria prevalecesse. "Houve várias crises em que a legitimidade da ONU foi posta em xeque. Mas ela sobreviveu, mostrando seu valor para o mundo contemporâneo", disse Ole Holsti, da Universidade Duke (EUA).

"Porém seu futuro dependerá de Washington, pois ela não poderá dizer-se legítima sem o apoio da única superpotência planetária. A guerra contra o Iraque será decisiva, já que influenciará a opinião pública americana. O unilateralismo não é popular. E, em última análise, o apoio popular é a principal variável analisada pelos estrategistas do governo." O perigo para a entidade é que a atual administração americana se convença da necessidade de agir de modo unilateralista de agora em diante. Ademais, de qualquer modo, a âncora do sistema internacional (a aliança entre os EUA e a Europa) não será mais a mesma. "A ONU não acabará, mas a divisão entre americanos e europeus transformará a entidade num local em que as negociações serão mais duras", explicou Charles Kupchan, pesquisador no Council on Foreign Relations (EUA).

Trata-se, portanto, de uma questão da divisão do poder na nova ordem mundial. Esta, mais uma vez, põe a ONU numa situação de crise. Todavia a entidade já foi atacada no passado sem que seu fim realmente ocorresse.

"Como o momento é de definição entre o multilateralismo e o unilateralismo americano, a crise atual não põe em risco apenas a ONU, mas todo o sistema global multilateralista criado após a Segunda Guerra [1939-1945". A controvérsia atinge também a Otan [aliança militar ocidental] e as demais agências internacionais", analisou Eric Fassin, da Escola Normal Superior (Paris).

Há, contudo, unanimidade entre os analistas quanto à necessidade da existência de um órgão como a ONU. Afinal, além de sua esfera político-diplomática -a mais conhecida-, ela tem uma miríade de projetos em países pobres ou em desenvolvimento. Para reaver toda a sua legitimidade, porém, ela deverá encontrar seu lugar na nova ordem mundial.

Aluna: Naiara Geraldo

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