quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A crise da ONU

O resultado das investigações do Tribunal Especial das Nações Unidas para o Líbano, que apura o assassinato do ex-premiê Rafik al-Hariri, em 2005, poderá criar uma crise interna no país e colocar em perigo o governo de união nacional caso se confirme o indiciamento de integrantes do grupo Hezbollah, segundo especialistas ouvidos pelo Terra.
Segundo Paul Salem, diretor do Centro Carnegie para o Oriente Médio em Beirute, o Hezbollah poderá agir de forma violenta e desestabilziar a segurança interna do país, dadas as tensões recentes com Israel e a possibilidade de que alguns de seus membros sejam acusados de participação na morte de Hariri. "O próprio tribunal aparentemente chegou a essa conclusão de que um indiciamento do Hezbollah será o pior cenário posssível. E isto, no mínimo, provocará uma enorme crise no governo, com sua possível dissolução", explicou Salem.
O Hezbollah e seus aliados fazem parte do governo de união nacional no Líbano e, recentemente, o líder do grupo, Hassan Nasrallah, advertiu o governo para graves consequências se aceitasse o resultado do tribunal, que ele considerava agir de forma "politizada". Em um discurso, no dia 16 de julho, Nasrallah revelou que havia sido informado de que o tribunal indiciaria membros do Hezbollah por envolvimento na morte de Hariri. Nasrallah também declarou que foi o atual premiê libanês, Saad al-Hariri, filho do líder morto, que o informou dos indiciamentos, embora o tribunal tenha se recusado a comentar sobre os rumores. "Esse tribunal não tem legitimidade pois faz o trabalho dos Estados Unidos e Israel", disse ele.
Ele também disse que não entregaria membros de seu grupo ao governo libanês caso fossem formalmente acusados. E criticou alguns políticos libaneses por equivocadamente acusar a Síria de participação no atentado. A Síria, uma aliada do Hezbollah, foi acusada durante muito tempo pela morte de Hariri, o que sempre foi negado pelo governo sírio. A pressão internacional após o atentado fez com que o país retirasse suas tropas do solo libanês e encerrasse 29 anos de ocupação militar.
O discurso de Nasrallah foi o bastante para reacender o medo no Líbano de um conflito sectário no país. O movimento político de Saad Hariri é de maioria sunita, enquanto o Hezbollah é formado por militantes xiitas. "Acho pouco provável o governo libanês ter condições de prender alguém. Na visão do Hezbollah, o governo está cooperando com um tribunal que ele vê como uma agência israelense", salientou Salem.
Aliados
A crise que se formou fez com que Árabia Saudita e Síria, dois dos mais poderosos mediadores regionais, agissem para acalmar os ânimos e tensões que já estavam se criando no Líbano. Na semana passada, o presidente sírio, Bashar al-Assad, e o rei saudita, Abdullah Bin Abdel Aziz, entraram em cena e viajaram ao Líbano para reuniões com líderes libaneses, incluindo o presidente do país, Michel Suleiman, o premiê Saad Hariri, e o presidente do parlamento, Nabih Berri. Os dois líderes pediram aos libaneses que resolvessem suas diferenças por meio das instituições e o governo de união nacional.
Entretanto, a questão que passa pela mente dos libaneses é de como ficará a estabildade e o cenário político no caso dos resultados do tribunal apontarem mesmo para o Hezbollah. Segundo Michael Young, colunista no jornal libanês The Daily Star, a sensação que ficou com as visitas de Assad e o rei Abdullah foi de que eles vieram com um pacote político para estabilizar o Líbano às custas de um trabalho mais efetivo do tribunal.
Os próprios líderes não sabem como agir com a questão. Saad Hariri enfrenta resistências dentro de seu movimento contra sua aproximação com a Síria. Por outro lado, partidos aliados do Hezbollah têm se mostrado silenciosos ou discretos sobre a possibilidade da participação de militantes do grupo xiita na morte de Hariri. "O que temos é uma bomba que pode colocar o país à beira do caos político. Sem contar o fato de que dificilmente os líderes conseguirão controlar seus militantes no caso de um conflito entre xiitas e sunitas", disse o colunista.
Tensão
Alegações de que o Hezbollah estaria envolvido no atentado contra Hariri surgiu pela primeira vez na revista alemã Der Spiegel, em maio de 2009, de que investigadores acharam uma ligação entre oito celulares na área do ataque e uma rede de outros 20 que pertenciam a um braço do Hezbollah. A matéria da revista foi rejeitada por Nasrallah acusando-a de "fabricada e servir para provocar um conflito entre sunitas e xiitas". Mas foi apenas recentemente que Nasrallah foi a público fazer uma série de discursos para falar de assuntos ligados a Israel e o tribunal.
Depois do discurso do dia 16 de julho, Nasrallah voltou a falar no mesmo dia em que tropas dos exércitos de Líbano e Israel entraram en confronto na fronteira, deixando pelo menos cinco mortos - três soldados e um jornalista libaneses e um oficial israelense. Em seu discurso, o líder xiita advertiu Israel de que o Hezbollah não ficaria silencioso em caso de um novo confronto na fronteira e voltou a atacar o tribunal da ONU com uma acusação surpreendente.
"O tribunal só serve aos interesses dos Estados Unidos e Israel. Eu vou apresentar evidências, em meu próximo discurso, de que Israel matou Hariri. Também vou revelar um importante segredo sobre o trabalho do Hezbollah", declarou Nasrallah Segundo Salem, as declarações de Nasrallah foram o bastante para jogar o país em um clima de medo e tensão. E muito se espera até o próximo discurso, marcado para o dia 9 de agosto.
"Tudo pode acontecer agora. Senão houver uma saída política, poderemos ver um conflito sectário ou uma nova guerra com Israel", disse Salem Para o analista, o próprio governo israelense tem enorme interesse nos resultados do tribunal já que, caso membros do Hezbollah forem indiciados e um conflito sectário ocorrer no Líbano, isso forçará Israel a agir para enfraquecer o Hezbollah e defender seus interesses.
Israel
A possibilidade envolvimento do Mossad (o serviço secreto israelense) não é um fator novo dentro das suspeitas sobre quem matou Hariri. "Nasrallah deverá usar uma teoria que ele mesmo já havia mencionado em discursos anteriores, a de que espiões usaram as redes de celular do país para monitorar os passos de Hariri", disse Salem.
De acordo com analista, o líder do Hezbollah já havia dito que os indiciamentos de seus militantes estavam baseados em informações de celulares, mas que estas redes foram penetradas por agentes israelenses. "Israel tinha o motivo, a capacidade e o interesse em matar Hariri, mas o tribunal internacional não está olhando para esta hipótese", acusou Nasrallah em seu discurso.
Recentemente, um importante executivo de uma duas empresas de telefonia celular do Líbano, Charbel Qazy, foi preso por espionagem para Israel. Ele confessou que forneceu ao Mossad improtantes informações sobre clientes e senhas de operações da empresa. Isso levantou dúvidas sobre as investigações do tribunal da ONU, já que seu trabalho estava baseado em informações das redes de celular. "O futuro agora é incerto e o país ficará ansioso até o próximo discurso de Nasrallah. Mas o certo é que a estabilidade política do país estará nas mãos de Saad Hariri e Hassan Nasrallah", salientou Salem.

Priscieli Lais Berta

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