segunda-feira, 28 de junho de 2010

África Crianças que matam


Um exército de 120 000 menores
sustenta as guerras tribais na África


Juliana Simão

Fotos AFP
Em ação: menino com fuzil ameaça matar o fotógrafo que o clicou nas ruas de Monróvia, a capital da Libéria

Charles Taylor, presidente da Libéria, é responsável por desmandos e crimes espantosos mesmo para os padrões africanos. No comando de um país pequeno e pobre, com população de apenas 3,3 milhões de habitantes, ele patrocinou rebeliões armadas nas nações vizinhas, saqueou as riquezas nacionais e massacrou seu próprio povo. Nessa carreira de vilanias, Taylor tomou uma iniciativa particularmente cruel: armou um exército de crianças e obrigou-as a cometer atrocidades contra os próprios pais e amigos. Hoje, há 18.000 crianças-soldados – as menores com apenas 7 anos de idade – lutando como adultos na guerra civil na Libéria. O conflito é tão devastador que os Estados Unidos ameaçam enviar soldados se o ditador não entregar o poder. Na sexta-feira passada, Taylor admitiu partir para o exílio, mas o fez com tantas reticências que não se sabe se fala a sério. Mesmo que vá embora e a Libéria se torne uma democracia, hipótese improvável, visto o currículo da região, permanecerá o problema: o que será das crianças acostumadas à matança?

O exército infantil surgiu em 1989, quando Taylor apareceu na Libéria à frente de um bando de guerrilheiros treinados na Líbia. Primeiro, ele usou crianças para roubar munição e alimentos do inimigo. Em seguida as armou com fuzis, granadas e facões e as mandou matar quem encontrassem pela frente. Dois anos depois, ele utilizou a mesma estratégia para tentar tomar os campos de diamante da vizinha Serra Leoa. A criançada recrutada à força e obrigada a lutar devastou metade de Serra Leoa e chacinou 200.000 pessoas. Uma característica do conflito foi a amputação em massa de braços ou mãos de civis, sem razão aparente. Taylor aterrorizou a população da Libéria e se elegeu presidente em 1997. Logo começou a guerra civil. O mandachuva respondeu com uma campanha de terror popularmente conhecida como "Operação não deixa nada vivo". Atualmente, a horda de guerreiros juvenis perambula por Monróvia, a capital da Libéria, matando e saqueando com aval oficial. Curiosamente, os meninos-soldados da Libéria costumam usar peruca feminina e as meninas-soldados cobrem a cabeça com touca de banho.

O que ocorre com a infância na Libéria não é um fato isolado na África. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), neste exato momento há mais de 120.000 combatentes com menos de 18 anos no continente. Nos intermináveis conflitos entre caudilhos e tribos rivais, as crianças representam uma boa opção militar: são obedientes, baratas e fáceis de recrutar. Os menores são retirados de casa, da escola ou dos mercados públicos à força por soldados ou milicianos. São levados para campos de treinamento improvisados, onde permanecem até que aprendam a manejar fuzis e metralhadoras. Em seguida, como batismo de fogo, são forçados a matar alguém da família ou amigos. A coragem para isso é impulsionada pelas drogas. "Eu tomei umas pílulas, fiquei louco e saí matando. Só lembrei o que aconteceu no dia seguinte", contou um menino de 13 anos, que desertou das milícias de Taylor. As meninas são enviadas a acampamentos, onde cozinham, limpam e arrumam a casa dos oficiais. "Tudo o que o comandante pede nós fazemos", diz Miatta, uma órfã que vive em um acampamento próximo de Monróvia. Serviços sexuais fazem parte do pacote.

Os jovens soldados da Libéria: seqüestrados de casa e obrigados a lutar, alguns têm menos de 10 anos

Apenas no ano passado, 5 000 crianças foram seqüestradas em Uganda, em guerra civil há dezessete anos. O principal recrutador à força de menores ugandenses é uma milícia de inspiração mística, o Exército de Resistência do Senhor (LRA). Existem relatos de jovens obrigados a caminhar sobre miolos humanos espalhados pelo chão e a comer carne humana. Muitas vezes, são os próprios menores que coordenam as operações de guerra. Aos 13 anos, o ugandense Patrick Ocaya, conhecido como "Emboscada", chefiou bandos de meninos de 11 e 12 anos que assaltavam veículos nas estradas. Acabou promovido a cabo, mas a patente só foi confirmada depois que ele cumpriu uma "missão especial": matar sete pessoas com pauladas na cabeça. Ocaya, que hoje tem 17 anos e conseguiu fugir depois de cinco de matança, contou ao jornal inglês The Guardian como se faz para matar alguém a pancadas: "A gente precisa garantir que os miolos saltem para fora", explicou.


Kananda de Oliveira Zamignan

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