segunda-feira, 21 de junho de 2010

Escola na Africa


O papel importante que a África tem na construção da identidade brasileira não é dúvida para mais ninguém. Mas a imagem que se tem do continente é limitada e repleta de velhos e resistentes estereótipos. É o lugar de onde emanam miséria, guerras étnicas, instabilidade política, Aids, fome, falência econômica, ou ainda natureza selvagem e ambientes exóticos. A escola exerce função importante no fortalecimento ou na desconstrução desse imaginário. Com base em livros didáticos mostra que o ensino da história do continente ainda está longe do ideal. O estudo faz parte da tese de doutorado A História da África nos Bancos Escolares: Angola, Brasil, Cabo Verde e Portugal.Durante dois anos, o historiador Anderson Oliva analisou capítulos específicos sobre História da África anterior ao século 19 em manuais escolares destinados aos quatro últimos anos do ensino fundamental (5ª a 8ª séries). Das oito obras, quatro fazem parte da lista que o Ministério da Educação (MEC) indica para as escolas públicas e outros quatro são adotados por escolas privadas. Os principais problemas estão nas simplificações e generalizações que recaem em erros. Com isso, mantêm-se as falsas idéias e imagens sobre o continente e suas populações, além de reforçar a crença de que a África não possui relevância para a História da humanidade.Um dos problemas mais comuns é a divisão do continente ao sul do Saara em apenas dois grandes conjuntos de povos. Séculos de história e centenas de grupos étnicos são identificados apenas como os bantos e os sudaneses, exemplifica. O único critério utilizado aí é o das línguas faladas na região em questão. Na realidade, de um grupo de línguas matrizes, inclusive a banto, surgiram outras centenas de línguas, mas que foram utilizadas por uma série de sociedades com diferenças profundas entre si. É como se tratássemos toda a América Latina como uma sociedade igual, compara o pesquisador. Uma alternativa a tal critério seria evidenciar as complexidades e diversidades da África Negra, como referências às centenas de grupos étnicos que podem ser encontrados ao longo dos séculos nos mais diferentes locais. VISÃO EUROCÊNTRICA – De acordo com o levantamento realizado por Oliva, entre os livros analisados, o número de páginas destinadas à História da África é significativamente menor que o de outros assuntos. Enquanto os capítulos que tratam de temas como Europa Medieval, Absolutismo Monárquico, Renascimento Cultural e Construção do Pensamento Moderno Ocidental ocupam entre 15 e 20 páginas e vasta bibliografia, toda a história africana é, quase sempre, abordada em um único capítulo que varia de 10 a 15 páginas, e com uma literatura de apoio restrita. Isso mostra que o ensino da disciplina ainda segue a visão eurocêntrica.Isso pode ser constatado na tentativa de utilizar padrões europeus para legitimar a importância da África. Encontrar grandes “impérios”, grandes construções e esplendorosas obras de arte se tornou quase uma obsessão. Porém, ressalta que, se a África é uma região de grande autonomia, capacidade criativa e de fecunda participação na História da humanidade, não seria preciso eleger padrões europeus para sua legitimação. É como se os pequenos grupos não tivessem relevância, ou diante da impossibilidade de atentar para os milhares de grupos que se espalham pela África, optou-se por se espelhar na História da Europa: o estudo das grandes civilizações ou reinos.Apesar de todos os livros analisados serem novos – foram editados entre 1998 e 2000 –, há grande distância entre os conteúdos dos manuais e a recente produção historiográfica, o que demonstra continuidade dos olhares coloniais. Soma-se a isso o fato de o Brasil ter poucos cientistas que estudam a história, a arte ou a literatura daquele continente.Editoras brasileiras têm se esforçado para fazer uma abordagem maior sobre o assunto. Já foram feitos livros paradidáticos, uma espécie de complemento aos livros que possuem falhas no tema. É uma forma de preencher a lacuna de anos na educação, mas ainda não é o ideal, que dá suporte a um grupo de professores especializados que formam professores de educação fundamental em São Paulo. Juntos, eles fazem uma avaliação dos livros fundamentais e corrigir as distorções. A idéia é construir um novo material para os alunos com outra abordagem.OUTROS PAÍSES – Com o avanço da pesquisa, Anderson Oliva avaliou também os livros didáticos de Portugal e Angola. Devido à guerra civil que só acabou em 2002, o país africano sofre com o déficit na educação, ainda que o governo venha se esforçando para recuperar tal lacuna. Há cinco coleções de livros didáticos que tratam da história da África de forma geral e dos povos africanos com profundidade.Já em Portugal existem 30 coleções de livros de história para o mesmo período escolar. Porém, nenhum capítulo é dedicado à história africana por mais importante que tenha sido a relação histórica e econômica da ex-metrópole européia com esses países. Cerca de 800 mil africanos migraram para Portugal, que possui uma população de 10 milhões de pessoas. Eles freqüentam as escolas públicas e não encontram sua história nos livros. Normalmente apenas dois parágrafos citam a África e o fazem de forma preconceituosa sempre com o título A presença portuguesa na África Negra. Os autores desses livros portugueses parecem considerar irrelevante a história de quase mil anos de um continente que manteve forte relação com o país europeu.


Kananda Zamignan

Um comentário:

  1. ATÉ ONDE EU SEI, ALGUNS GOVERNOS AFRICANOS ESTÃO LEVANDO PROFESSORES BRASILEIROS PRA LÁ PARA ORGANOZAR OS CURRICULOS ESCOLARES. ISSO É SINAL DE QUE NOSSO MODELO DE EDUCAÇÃO É BOM.

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